SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo
Embora a Terra seja um objeto finito, um andarilho à procura de provas jamais encontraria a "borda" do planeta _em vez disso, ele simplesmente daria uma volta no globo e retornaria ao ponto de partida. Um trio de pesquisadores nos EUA está agora sugerindo que o Universo pode funcionar da mesma forma: não é infinito, mas, para todos os efeitos, parece ser.
A afirmação é baseada em novas análises sobre os dados obtidos pelo mais novo satélite da Nasa, o WMAP (Wilkinson Microwave Anisotropy Probe). No mês passado, a agência espacial americana já havia apresentado as imagens feitas pela sonda da famosa radiação cósmica de fundo.
A melhor forma de definir essa radiação é descrevê-la como um eco do Big Bang _a explosão inicial que deu origem ao Universo.
O cosmos era apenas um bebê, com 300 mil anos (hoje deve ter 13,7 bilhões de anos), e as primeiras partículas de luz estavam apenas se formando. Com a súbita expansão do Universo ainda nessa fase primitiva _processo que ficou conhecido como inflação_, esses primeiros fótons foram espalhados por todos os cantos do espaço, e hoje podem ser observados vindo de todas as direções.
Analisando a distribuição da intensidade dessa radiação pelos vários pontos do céu (em alguns pontos ela é ligeiramente mais "quente", noutros mais "fria"), os cientistas podem inferir diversas coisas sobre o Universo e sua explosão inicial, como a quantidade de matéria e energia existentes, a geometria (curvatura local do espaço) e topologia do cosmos.
As primeiras grandes medições da radiação foram feitas com o Cobe, um satélite projetado especialmente para detectá-las. Mas o jogo ficou realmente divertido no fim dos anos 90, quando uma equipe internacional de cientistas, reunidos no projeto Boomerang, usou balões para produzir medições 40 vezes mais precisas do que as do Cobe. Em 2000, o grupo apresentou suas conclusões sobre o que viu nos novos dados. Segundo eles, o Universo deveria seguir se expandindo para sempre e seria essencialmente plano.
Os dados obtidos pelo WMAP agora são ainda mais precisos que os do Cobe. A equipe da sonda fez uma "limpeza" das informações, para excluir a interferência causada pelos raios de luz vindos de dentro da própria Via Láctea, mas também disponibilizou o material bruto na internet, para que outros cientistas pudessem tirar suas próprias conclusões.
Interpretações múltiplas
Foi o que fizeram o inglês Andrew Hamilton, o sueco Max Tegmark e a brasileira Angélica de Oliveira-Costa. Ela e Tegmark têm duas coisas em comum: trabalham na mesma universidade, a da Pensilvânia, nos EUA, e vivem na mesma casa _estão casados desde 1997. Hamilton é da Universidade do Colorado.
"[Os pesquisadores do WMAP] fizeram um trabalho excelente na interpretação dos dados, mas estávamos procurando outra coisa, então fizemos uma limpeza diferente da galáxia", conta Oliveira-Costa. E o que eles encontraram foi um eixo de distribuição da radiação que ninguém esperava _e que pode ser compatível com um modelo de universo finito. "A gente ainda não sabe o que é, mas esse é o único modelo que hoje poderia explicar essas coisas", diz.
A idéia de um Universo finito não é nova. O próprio Albert Einstein (1879-1955), com sua teoria da relatividade, desenvolveu o conceito de um Universo curvado e esférico, sem começo nem fim, mas finito (como a Terra, só que espalhado por quatro dimensões). Só que ele inseriu em sua equação uma constante para manter o cosmos estático.
O russo Aleksandr Aleksandrovich Friedman (1888-1925) iria mais tarde derivar novas soluções, inserindo a possibilidade de expansão do Universo _fato que seria confirmado por observações do astrônomo Edwin Hubble (1889-1953), fazendo com que Einstein se arrependesse de ter inventado a constante cosmológica.
Os cientistas ainda estão longe de fechar de uma vez por todas a discussão sobre o formato do Universo (nem sobre se ele é fechado ou aberto parece haver acordo no momento), mas uma coisa é certa: os dados do WMAP ainda darão muito o que falar.
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